Recentemente tramitou no Juizado Especial Cível uma ação incomum contra uma companhia de telefonia celular, na qual o reclamante, ao invés de pleitear a costumeira reparação de danos morais, pediu que a concessionária fosse compelida a fornecer um sinal de qualidade para uso adequado de seu telefone celular.
Ao examinar os autos, verifiquei que a matéria dispensava a produção de provas, dado que era (e é) público e notório que a operado em questão vem prestando um serviço de péssima qualidade, preocupando-se mais com uma forte campanha de mídia para angariar novos clientes sem que tenha o número suficiente e a qualidade devida de antenas para garantir aquilo que promete em seus anúncios.. A verdade é que não há ninguém satisfeito com os serviços das operadoras de telefonia celular, no geral. No caso dos autos, repetia-se apenas o que é um lugar comum: as ligações não se completam, são interrompidas bruscamente com a perda de sinal, as conversações tornam-se ininteligíveis, o sinal é inexistente, a internet é lenta, etc. Nada razoável foi alegado na resposta
No momento de contratar, é exatamente o contrário que se promete ao consumidor, ou seja, um sinal de qualidade, uma internet 3G rápida, enfim, tudo o que o interessado procura.
As afirmações acima refletem-se no crédito de mais de R$ 25 bilhões em multas, aplicadas pela ANATEL, nas diversas empresas concessionárias, dos quais, apenas 4% foram efetivamente cobrados; o resto está judicializado nos tribunais, com medidas suspensivas da cobrança até final julgamento das ações e considerando-se o assoberbamento de processos na 2a. Instância e a variedade de recursos e expedientes à disposição das partes para dilatarem o encerramento definitivo dos processos, a solução desses 96% restantes ainda deve demandar bastante tempo. Recentemente a ANATEL, constatando a ineficiência do sistema de multas, transformou-as em Termos de Ajustes de Conduta (TAC), com o propósito de transformar em descontos para os consumidores os prejuízos com a má qualidade da telefonia no país e converter o valor das multas aplicadas em investimentos no setor, com prazo para a sua concretização.
Enfim, faço esse parêntesis para demonstrar o nível de notoriedade da má prestação de serviços por essas empresas.
O fato é que ao contratar e prometer uma qualidade que sabia de ante-mão que não possuía, ou pior, degradar a qualidade do sinal de seus antigos clientes, a empresa descumpriu ostensivamente o contrato. Tratando-se de obrigação de fazer, e sendo ela possível de ser cumprida – o caso é simplesmente de excesso de preocupação com a receita e mínima importância ao compromisso assumido com o consumidor e com o investimento – entendi que a empresa deve honrar sua promessa.
Esta solução, a propósito, está expressamente prevista no art. 22, e parágrafo único, da Lei 8.079/80 (Código de Defesa do Consumidor), que utiliza a expressão “compelir” em relação às operadoras que não fornecem serviço de qualidade. Tratando-se de obrigação de fazer, esse “compelir” se materializa com o uso das astreintes (numa leitura conjugada com o art, 461, caput, c/c 6444, ambos do CPC).
Julguei a ação procedente e a condenei a fornecer ao reclamante um sinal de qualidade no prazo de 15 dias, sob pena de incorrer em multa diária de 20 (vinte salários-mínimos). As astreintes, por serem instituto de direito processual, não reverterão para o reclamante e sim para um Fundo de Defesa dos Interesses Difusos ou do Consumidor, a ser indicado oportunamente, o que já ficou consignado na decisão.