CABE RECURSO DE AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NOS JUIZADOS DA FAZENDA PÚBLICA?
Cabe, malgrado algumas decisões em contrário, dada vênia. A confusão decorre de uma má interpretação dos arts. 3º e 4º, da Lei 12.153/2009 que dispõem: Art. 3o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir quaisquer providências cautelares e antecipatórias no curso do processo, para evitar dano de difícil ou de incerta reparação. – Art. 4o Exceto nos casos do art. 3o, somente será admitido recurso contra a sentença.”
Como se vê, a disposição do art. 3º, dessa Lei, repete a mesma condicional (“o juiz poderá”) do art. 273, do CPC, que trata das antecipações de tutela. É evidente que a Lei não precisa dizer que o juiz poderá negar, uma vez que a concessão dessas tutelas é excepcional. “Poderá”, aqui, tem o sentido de “poder/dever”, significando que o deferimento das medidas antecipatórias é obrigatório caso os pressupostos processuais estejam presentes. Se, por um lado, o juiz não deve conceder a medida se não estiverem presentes os requisitos da jurisdição de urgência, por outro lado, tem a obrigação de fazê-lo caso esses pressupostos existam.
O princípio a ser observado aqui é o da isonomia, que tem inspiração constitucional. Um simples exemplo elucidará: na hipótese de pedido de fornecimento de medicamento não cadastrado no rol do Ministério da Saúde e que seja fundamental para a manutenção da vida do paciente, a negativa da antecipação de tutela poderá fazer a diferença entre a vida e a morte do paciente. Entender que o juiz pode indeferir a liminar e que não haverá recurso não faz sentido, porque se o juiz deferir a tutela, poderá o Estado recorrer para revogá-la. Outro exemplo, menos dramático: o Estado deixa de pagar o adicional de periculosidade ou insalubridade de seu servidor sem nenhuma razão justificada. Salário, como se sabe, tem natureza alimentar e essencial. Se o juiz tem o dever de conceder a medida, por quê razão poderá o réu recorrer da concessão e o autor terá que conformar-se com a negação? Por essas razões, não considero adequado o entendimento sustentado por algumas Turmas Recursais de nosso Estado, que tem decidido no seguinte sentido: “‘Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC'” (Enunciado n. 15 do FONAJE) e agora também nos casos previstos nos arts. 3º e 4º da Lei n. 12.153/09. E da interpretação conjunta destes novos dispositivos, conclui-se que o recurso contra decisão interlocutória é situação excepcional e admissível tão-somente contra a decisão que antecipa a tutela ou que defere liminar, não contra aquela que nega tais pleitos”. (Agravo de Instrumento n. 2013.501528-8, de Joinville, rel. Des. Cesar Otavio Scirea Tesseroli, j. 05-08-2013).
Bem mais adequadas são as decisões em sentido contrário, aqui de Santa Catarina mesmo, como é o caso desses dois casos julgados pela 1ª. Turma de Recursos dos Juizados da Fazenda Pública da capital:
“Agravo de Instrumento – Decisão Denegatória de Liminar – Cabimento.Compreensão literal dos arts. 3º e 4º da lei 12.153/2009 conduziria a uma limitação: o agravo seria possível (apenas por parte da Fazenda Pública) contra decisão que deferisse medida de urgência. Mas isso quebraria a isonomia. Não há razão para vedar ao particular proteção equivalente, A denegação pode ser imerecida. Entre as possíveis compreensões, bem melhor prestigiar aquela que se afine com a constituição a qual tem como valor essencial a igualdade.” (Agr. Instr. 4000084-12.2012.8.24.9008, rel. Hèlio do Valle Pereira).
Ou:
“Diante da previsão restritiva dada pelo legislador infraconstitucional em não estender a possibilidade de agravo de instrumento ao legitimado ativo,m cumpre ao interpretem com fincas na garantia constitucional da isonomia e pautado na interpretação conforme a Constituição, ampliar o manejo recursal para ambas as partes.” (Agr. Instr. 00002548-89.2012.8.24.9008, rel. Luiz Fernando Fornerolli.)
Decisões sustentando o cabimento do agravo por parte do autor também se encontram com freqüência nas Turmas Recursais da Fazenda Pública do Distrito Federal, do Estado do Rio de Janeiro, Paraná e outros.
Um argumento desenvolvido pelos que entendem que o recurso só pode ser utilizado pela Fazenda Pública é o de que não é possível a ela demandar na condição de autora no âmbito da Lei 12.153/2010, e que, por isso, haveria um interesse qualificado da Fazenda em recorrer das decisões concessivas de tutela que sempre virão em seu prejuízo. Não considero esse argumento relevante, porque é de se ver que a Lei 12.153/2009, se tivesse essa preocupação – sinônimo histórico da desconfiança nos juízes de 1º Grau – não teria eliminado o recurso voluntário das sentenças (art. 11) e tampouco o prazo ampliado para o recurso da Fazenda.
A ponderação de que em sede de Juizados Especiais Cíveis o recurso extremo é o mandado de segurança, não é pertinente no âmbito dos Juizados da Fazenda Pública, uma vez que a Lei 12.153/2010 possui disposição expressa autorizando não só a concessão da medida antecipatória, como o recurso contra seu deferimento. Aqui, o recurso existe, lá não. Não faz sentido obrigar o autor a ingressar com ação específica para obter o mesmo efeito que uma disposição que decorre da necessária harmonização do texto dos arts. 3º e 4º, da Lei 12.153/2010, enquanto o réu pode fazer uso do agravo de instrumento.
Assim, salvo melhor juízo, a interpretação adequada do art. 4º, da mencionada Lei deve ser a de que o recurso de agravo cabe tanto da decisão que defere, quanto da que indefere medidas antecipatórias, em atenção ao princípio estampado no art. 5º, caput e LV, da Constituição Federal.