O site o Antagonista, na semana passada, criticou a soltura de Rocha Loures pelo min. Fachin e fez uma comparação com a negativa dele de conceder HC para soltar uma mulher que havia sido presa furtando dois tubos de desodorante e chicletes em um supermercado, no valor de R$ 42,00. Daí, concluíram que o negócio é roubar bastante. Péssimo jornalismo. Ontem voltaram ao assunto, referindo um artigo do blog de Fernando Gabeira, no “O Globo” também de ontem, no qual ele também ironizou a mesma situação. Possivelmente, sua fonte foi o próprio O Antagonista.
Os comentários dos leitores – que tive a curiosidade de ler – eram de matar e todos eles fizeram um auto de fé do Supremo, manifestando toda a frustração com o nosso sistema de justiça.
Ocorre que toda a história está mal contada e tanto o Antagonista quanto Fernando Gabeira deram um exemplo do que é praticar mau jornalismo, com matéria bem ao gosto do público, que só se presta, entretanto, à confusão e à desorientação.
O caso Rocha Loures nada tem em comum com o caso da mulher dos tubos de desodorante: o fato ocorreu em 2011 e o HC foi julgado em 2017. Essa simples informação já era suficiente para demonstrar que a acusada não estava presa, como era evidente. Bastava ter consultado uma fonte fidedigna. O Habeas Corpus não buscava a sua soltura, mas o arquivamento da ação penal sob o argumento de que houve crime de bagatela e se pretendia aplicar o princípio da insignificância, tão debatido em direito Penal. O min. Fachin, no que foi acompanhado pela maioria, entendeu que o princípio não se aplicava ao caso porque a mulher era reincidente. (http://veja.abril.com.br/brasil/fachin-nega-recurso-a-mulher-que-furtou-desodorante-e-chiclete/). Na verdade, a mulher devolveu os produtos à prateleira, foi presa e colocada em liberdade em seguida. (http://br.blastingnews.com/politica/2017/02/edson-fachin-nega-habeas-corpus-para-mulher-que-furtou-chicletes-e-desodorantes-001456579.html )
Não encontrei o acórdão no site do STF, mas discussão semelhante se deu nos dois casos abaixo, na nossa Suprema Corte:
Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Furto simples (artigo 155, caput, do CP). Bens de pequeno valor (três frascos de desodorante, avaliados em R$ 30,00 e restituídos à vítima). Registro de antecedentes criminais (duas condenações transitadas em julgado por roubo majorado). Condenação à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão. Cumprimento da pena de 5 meses de reclusão. 3. Aplicação do princípio da bagatela. Possibilidade. Precedentes. Peculiaridades do caso. 4. Reconhecida a atipicidade da conduta. Recurso provido para trancar a ação penal na origem, ante a aplicação do princípio da insignificância. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 27/08/2013
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE TENTATIVA DE FURTO (CAPUT DO ART. 155, COMBINADO COM O INCISO II DO ART. 14, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). OBJETOS QUE NÃO SUPERAM O VALOR DE R$ 52,00 (CINQUENTA E DOIS REAIS). ALEGADA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL E CRIME IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA, POR SE TRATAR DE UM INDIFERENTE PENAL. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ANÁLISE OBJETIVA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Os objetos que supostamente se tentou subtrair não ultrapassam o valor de R$ 52,00 (cinqüenta e dois reais): dois shampoos, quatro desodorantes e um isqueiro. Objetos que foram restituídos integralmente à vítima, sendo certo que o acusado não praticou nenhum ato de violência. 2. Para que se dê a incidência da norma penal não basta a mera adequação formal do fato empírico ao tipo legal. É preciso que a conduta delituosa se contraponha, em substância, ao tipo em causa. Pena de se provocar a desnecessária mobilização de u’a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste. Poder que não é de ser acionado para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 3. A inexpressividade financeira dos objetos que se tentou furtar salta aos olhos. A revelar a extrema carência material do ora paciente. Risco de um desfalque praticamente nulo no patrimônio da suposta vítima, que, por isso mesmo, nenhum sentimento de impunidade experimentará com o reconhecimento da atipicidade da conduta do agente. Análise objetiva que torna irrelevante a existência de registros criminais em curso contra o paciente. Precedentes: AI 559.904-QO, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; e HC 88.393, da relatoria do ministro Cezar Peluso. 4. Habeas corpus deferido para determinar o trancamento da ação penal, com a adoção do princípio da insignificância penal. HABEAS CORPUS
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Julgamento: 14/10/2008