Mais um incidente envolvendo o ministro GILMAR MENDES está nas manchetes. Desta vez, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro requereu ao Procurador-Geral da República que lhe arguisse o impedimento/suspeição de oficiar em processos que envolvam Jacob Barata Filho, de quem ele e sua mulher foram padrinhos de casamento. Além disso, segundo o Ministério Público, o advogado do referido cidadão, Rodrigo Mudrovitsch, também seria advogado do próprio ministro.
Portanto, haveria uma dupla causa de impedimento e ou suspeição: (a) o apadrinhamento e (b) a identidade de representação processual.
A questão foi levantada porque o ministro, nesta semana, concedeu Habeas Corpus a Jacob Barata Filho, que estava preso por envolvimento assim descrito pelo jornal O Globo:
A “caixinha da Fetranspor”, uma das suspeitas mais longevas do submundo da política fluminense, é finalmente revelada por uma investigação. Com base no depoimento do delator Álvaro José Novis, doleiro e operador do esquema, a força-tarefa da Operação Calicute, versão da Lava-Jato no Rio de Janeiro, desvendou o funcionamento do esquema de corrupção sustentado pelos empresários de ônibus. Eles são acusados de pagar um total aproximado de R$ 260 milhões em propinas ao ex-governador Sérgio Cabral (2011 a 2016) e a outras autoridades estaduais em troca de vantagens como reajustes injustificados de tarifas, retenção irregular de créditos do Riocard e prevaricação dos agentes encarregados de fiscalizar o setor.
Ao que tudo indica, as imputações do Ministério Público são verdadeiras, pois o ministro, indagado sobre o assunto, afirmou que “não sentiu necessidade de se declarar suspeito“, porque o “casamento não durou seis meses“, informa o mesmo jornal.
Será que o ministro disse isso mesmo? Difícil acreditar, pois está acima de qualquer dúvida razoável que o que define a suspeição por apadrinhamento são os laços afetivos que são subjacentes ao compadrio. Ninguém convida um estranho para ser padrinho de casamento, apenas as pessoas de seu círculo mais íntimo e querido, pois isso é a essência do significado da expressão “compadre”, ou seja, “aquele que protege”. Embora esse vínculo esteja relativamente banalizado hoje, um ministro do STF não aceita convites de apadrinhamento a torto e a direito, convenhamos.
Em outras palavras, não é o apadrinhamento que cria o vínculo de suspeição, e sim a intimidade que gera o apadrinhamento. A suspeição é apenas o reflexo dessa intimidade.O apadrinhamento, portanto, é uma forma tradicional de confirmação e reforço de laços afetivos e sociais.
De minha parte, nunca tomei o compromisso legal de nenhuma testemunha que estivesse ligada a uma das partes por apadrinhamento, sendo irrelevante que o casamento tenha se desfeito, por separação ou se extinguido por morte de um dos cônjuges. Ouvia como informante. Admitir o compromisso seria – objetivamente, por presumido interesse na causa – aceitar a inclusão de uma prova viciada no acervo coletado.
Pela mesma razão, se uma das partes fosse minha apadrinhada, mesmo que apenas simbolicamente, eu sentiria a obrigação de declarar a minha suspeição, da mesma forma que o faria se um dos advogados do processo também me representasse em juízo. É o elementar em direito processual.
Se o ministro tivesse sido magistrado, provavelmente a confrontação com esse conflito processual repetido em vários processos, envolvendo os interesses dos litigantes provavelmente lhe teria forjado uma outra compreensão das regras de suspeição e impedimento. Aliás, não é a primeira vez que ele se vê envolvimento nesse tipo de questionamento. Há pouco tempo o mesmo ocorreu no rumoroso caso de Eike Baptista.
De qualquer forma caberá ao Supremo decidir, e se der ao assunto a importância que ele tem, saberemos, afinal, quais são as regras.