Um projeto de acórdão afetado procurou uma costureira muito concorrida. Depois de esperar até quase o CNJ apanhá-lo pelo colarinho, ele foi atendido. Entrando, disse:
– Ah, amiga, estou em dúvida quanto a este traje, não sei se é propício para a ocasião. Ele está de acordo com o nosso molde, mas não sei. Depois que me olhei no espelho do toucador, percebi que ele não tinha o melhor caimento. Bem que eu tentei picotar os argumentos do apelante, mas havia muitas coisas nas entretelas e no forro, e me deu um trabalhão alinhavar todas aquelas objurgações. Felizmente, não decotei a ementa, é preciso pontuar, tesoura não é o meu forte. Decote comigo, só de algumas partes do dispositivo do ato inquinado na irresignação. Uma boa costura deve usar ponto cheio, sem desbordar, e muito menos deixar à mostra os feios recortes da costura inglesa. Como eu sempre digo, não gosto de babados, mas também não faço a barra. Tenho sido criticado por causa do meu corte enviesado, o que é ominoso; logo eu que sigo tanto a jurisprudência quanto o urdume, embora fazer o tricoteio de arestos exija certas tramas inusuais. Não deixo bordas inacabadas, embora ache prudente deixar uma margem de costura, mas jamais abro mão do pesponto para melhorar a segurança jurídica. Entretanto, ainda acho que me faltam uns apliques e um pouco de rendas para maior harmonização da gola e peito, mas nada de barbatanas ou vinco, pois gosto muito do drapejado, que tem um efeito estético inigualável na brisa da sessão.
A costureira ouviu com atenção e respondeu:
– Não se preocupe, usarei uma overlock e num minuto farei os ajustes.
O projeto de acórdão sorriu, cansado:
– Obrigado, amiga, mas se apresse pois tenho consulta com meu esculápio hoje à tarde.
Em tempo, a quem tiver interesse, reuni alguns contos numa edição eletrônica publicada no site da Amazon. Dois deles estão publicados por aqui.